Por Angélica Queiroz*

A carne bovina é uma das proteínas mais consumidas no Brasil, protagonista no churrasco, nas refeições do dia a dia e nas celebrações em todas as regiões do país, que é um dos maiores produtores globais do alimento. No entanto, ela não surge nas prateleiras do supermercado ou do açougue, vem de animais que nascem em fazendas e passam por diversas outras propriedades até chegar aos frigoríficos, que fazem o abate e comercializam a carne que vai para as nossas mesas.

Portanto, cabe a essas empresas rastrear o caminho que esses bois e vacas fazem ao longo da vida, visando garantir que eles não passem em algum momento por áreas de desmatamento ilegal. Se lembrarmos que cerca de 40% do rebanho nacional está na Amazônia, um dos biomas mais importantes para o clima do planeta, fica bem claro porque isso é tão importante. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a destruição da floresta na região está diretamente relacionada à expansão de pastagens, que abrange pelo menos 90% das áreas desmatadas.

A boa notícia é que, com a tecnologia, já é possível adotar medidas para rastrear os animais, permitindo que as empresas saibam se eles vêm ou não de fazendas ligadas ao desmatamento ilegal. Desde 2022, o Radar Verde, indicador independente do setor, divulga um ranking que mostra a classificação dessas empresas de acordo com o controle e transparência sobre sua cadeia da carne. Marfrig, Minerva e Rio Maria lideram o último ranking divulgado, seguidas de Masterboi, Frigol, JBS, Mercúrio Alimentos, Fortefrigo, Mafrinorte, Valencio, Fribev, Frigorífico Altamira e Frigonorte.

Segundo a pesquisa, que pode ser conferida no site do projeto, essas empresas tiveram os melhores resultados no controle de fornecedores para evitar o desmatamento na Amazônia. A  iniciativa, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e do Instituto O Mundo Que Queremos, avaliou 146 frigoríficos com registros de Serviço de Inspeção Estadual (SIE) e de Serviço de Inspeção Federal (SIF) operando na Amazônia Legal.

De forma geral, o ranking 2024 do Radar Verde mostrou uma lenta evolução do setor que, atento às exigências de consumidores cada vez mais exigentes e também do mercado internacional, está ano a ano melhorando suas políticas de controle da cadeia. Instrumentos como a Guia de Trânsito Animal (GTA) e o cruzamento com  mapas de propriedade (Cadastro Ambiental Rural – CAR), têm sido exigidos e isso permitiu que, entre frigoríficos analisados, alguns se destaquem em relação ao controle dos fornecedores diretos. Seis empresas foram classificadas com grau de controle muito alto, cinco apresentaram grau de controle alto e outras duas alcançaram grau de controle intermediário. 

Pela primeira vez, um frigorífico (Plena Alimentos) participou voluntariamente da pesquisa, enviando as respostas ao questionário — as demais empresas continuaram sendo avaliadas apenas através das informações públicas que disponibilizam. No entanto, nem sempre é tarefa fácil fazer a avaliação com essa base porque muitas empresas não têm sites e a maioria das páginas existentes ainda não oferecem dados sobre o controle de gado. Ou seja, a transparência ainda é um grande desafio até mesmo para uma pesquisa específica da área.

Além disso, o setor como um todo precisa avançar no controle dos indiretos, ou seja, as fazendas de cria e recria, que vendem o gado para as fazendas de engorda, das quais os frigoríficos compram diretamente. Nenhum frigorífico localizado na Amazônia conseguiu comprovar a rastreabilidade completa das propriedades pelas quais passam os animais que abatem, ou seja, ninguém pode afirmar que vende carne 100% livre de desmatamento.

Algumas empresas até pedem aos fornecedores diretos que informem voluntariamente sobre a origem do gado indireto por meio de GTAs, mas nem sempre essas informações são fornecidas, e falta auditoria independente sobre o  cumprimento do controle destes fornecedores indiretos.

Outro critério avaliado pelo indicador merece atenção. Trata-se do Grau de Exposição ao Risco de Desmatamento, que mede a área com fatores de risco de desmatamento nas zonas potenciais de compra de gado das empresas. Cinco grandes empresas foram classificadas com alto grau, ou seja, em situação preocupante. A lista dessas empresas, liderada pela JBS, também pode ser conferida no site da pesquisa.

Ter um indicador que mostra, anualmente, como as empresas estão evoluindo é crucial para orientar as próprias empresas, mostrando onde elas podem (e devem) melhorar. Os investidores, importadores, compradores corporativos e até mesmo o consumidor comum também podem ficar de olho para escolher melhor de quem compram, pressionando o setor a se tornar mais responsável, fazendo a sua parte para ajudar o país a zerar o desmatamento ilegal.

Infelizmente, a resposta para a pergunta que abre esse artigo ainda é não, os frigoríficos da Amazônia ainda não conseguem vender carne livre de desmatamento. Com o avanço da rastreabilidade e a crescente preocupação do setor com sustentabilidade, a expectativa é de que o Brasil continue aprimorando suas práticas, fortalecendo sua competitividade no mercado e garantindo um equilíbrio entre produção e conservação ambiental.

*Angélica Queiroz é jornalista do Instituto O Mundo Que Queremos