Por Carlos Eduardo Carvalho | Sócio-Diretor e CEO da Bridge & Co.*
Entender o consumidor e seus hábitos é um desejo antigo das empresas que atuam na indústria de alimentos. Acompanhar tendências e mapear preferências para posicionar produtos que tenham fit com o momento; ter um bom time-to-market para que o produto esteja na gôndola ainda enquanto o cenário for propício; rastrear percepções e feedbacks para acertar a rota de desenvolvimento se necessário. Todos esses pontos estão no topo da lista de metas dos times de produtos e dados de muitas empresas do setor.
A novidade agora é que, com o avanço da Inteligência Artificial e com o crescente volume de dados disponível para análise, está cada vez mais possível trabalhar a hipersegmentação de forma efetiva.
A demanda do consumidor
As preferências dos consumidores de alimentos estão cada vez mais específicas e personalizadas. Há um conjunto amplo de dietas, como a low-carb, vegana, keto e kosher, por exemplo. Além disso, as pessoas estão cada vez mais conscientes de uma série de restrições alimentares (glúten e lactose são as mais ouvidas hoje em dia) e trazem suas posições éticas também para o modo como se alimentam (orgânicos, cruelty-free, entre outras).
Para entender essa demanda de forma moderna e eficaz, não é mais factível atuarmos com segmentações agregadas. Torna-se cada vez mais necessário aplicar técnicas de hipersegmentação para definir o mix de produtos e a forma como queremos chamar a atenção de determinados grupos específicos de consumidores.
O caso da Michelob Ultra
A Michelob Ultra é um caso emblemático de posicionamento de produto focado em hipersegmentação. Cada vez mais cresce um determinado mercado consumidor preocupado com o equilíbrio de qualidade de vida. Pessoas que querem continuar consumindo cerveja, mas também praticam atividades físicas, frequentam parques e realizam atividades ao ar livre.
Vale destacar que esse grupo específico não é o mesmo grupo dos que baniram o álcool de suas vidas, tampouco dos competidores de elite dos esportes, e menos ainda dos que tendem a preferir a cerveja em detrimento de sua saúde.
Estamos falando de um segmento que representa a interseção entre pessoas que praticam atividades físicas regulares, frequentam lugares ao ar livre e gostam de consumir cerveja em menor quantidade.
Após estudos que utilizaram grande quantidade de dados e algoritmos de Inteligência Artificial, a cerveja foi posicionada para atender um mercado consumidor cada vez mais empoderado de conhecimento, que sabe quantas quilocalorias tem cada garrafa e se preocupa com o impacto do álcool em seus corpos.
Resultado
Como resultado dessa hipersegmentação, foi desenvolvida a cerveja Michelob Ultra, com baixo teor alcoólico de 3,5%, apenas 79kcal por long neck de 355ml e 2,4g de carboidratos. Isso equivale a aproximadamente 80% menos do que as dez cervejas mais vendidas no Brasil.
Para fazer com que esse produto chegasse ao seu mercado consumidor de destino, a Ambev focou em ativação de marca em importantes eventos esportivos no país, além de estar presente em locais relevantes de treino de corredores e ciclistas em São Paulo, Rio de Janeiro e, inicialmente, em Florianópolis.
Por alguns meses, você poderia ir caminhar no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, e receber uma amostra da cerveja para provar. Ou, ainda, correr a Meia Maratona ou a Maratona do Rio de Janeiro e, ao terminar a prova, receber uma cerveja gelada para tomar. Eu estive lá, tomei e aprovei.
Reflexões
Há algum tempo, sem dados significativos e sem algoritmos capazes de trabalhar com precisão cenários de hipersegmentação, acredito que uma ideia de posicionar uma cerveja leve e de baixo teor alcoólico para esportistas e fãs de uma vida equilibrada poderia virar sinônimo de piada.
Porém, quando se trabalha de forma estratégica com a hipersegmentação dos mercados consumidores, buscando entender cada agrupamento de pessoas, pode-se descobrir grandes oportunidades de posicionamento de novos produtos. Quem detiver os dados, os algoritmos e souber fazer as perguntas certas, poderá achar novas fontes de receita em segmentos não tão triviais como o do caso acima.
Você ainda segmenta seu mercado consumidor apenas pela classe social e faixa de renda? Por sexo e idade? Ou já vem usufruindo dos benefícios da Inteligência Artificial para análises mais aprofundadas de dados? O futuro das indústrias de alimentos, do varejo e dos bens de consumo passará cada vez mais pela hipersegmentação.
*Carlos Eduardo Carvalho | Sócio-Diretor e CEO da Bridge & Co. Fundador e CEO da Bridge & Co., Engenheiro de Produção e Mestre pela COPPE/UFRJ e com MBA Executivo pela Fundação Dom Cabral. É Especialista em Business Transformation com ênfase em transformações orientadas pelas tecnologias digitais com automação de processos, análise de dados e inteligência artificial. Certificado ITIL 4 Managing Professional, ITIL 3 Expert, CGEIT e Auditor ISO/IEC 20.000. Atua também como palestrante, autor e professor de pós-graduação em instituições como UFRJ, FGV, UFJF e Fiocruz.