A sustentabilidade tornou-se um pilar central da inovação tecnológica em diversos setores, incluindo a indústria alimentícia. E o principal foco está em desenvolver práticas que reduzam seu impacto ambiental.
Com o aumento das preocupações sobre as mudanças climáticas e o impacto ambiental da produção de alimentos, a busca por ingredientes de baixo carbono tem se intensificado. Esses ingredientes são desenvolvidos com técnicas que minimizam a emissão de gases e utilizam menos recursos naturais.
David Ávila Almeida, consultor em descarbonização do SENAI, destacou durante a Fi South America (FiSA) a importância de entender os diferentes ciclos de carbono e suas implicações para a indústria alimentícia, e como as inovações no setor podem contribuir para um futuro mais sustentável.
Os ciclos do carbono
O acordo de Paris, assinado em 2015, estabeleceu o objetivo de limitar o aumento da temperatura global a 2°C, mas os cientistas agora enfatizam a importância de manter esse aumento abaixo de 1,5°C para evitar os piores impactos das mudanças climáticas.
“Enquanto o ciclo de carbono de combustíveis fósseis é o principal responsável pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) desde a Revolução Industrial, o ciclo de carbono biogênico é um processo natural, essencial para manter um equilíbrio zero a zero nas emissões de CO2”, explicou Almeida.
Ingredientes de baixo carbono são aquelas matérias-primas cuja produção apresenta uma pegada de carbono significativamente menor em comparação com alternativas tradicionais, que emitem grandes quantidades. Por isso, a transição para ingredientes de baixo carbono é uma oportunidade estratégica para a indústria de alimentos em relação à sustentabilidade.
Várias categorias de ingredientes que se destacam por suas práticas de produção sustentáveis e menor emissão de GEE, como proteínas de origem vegetal, alternativas ao leite de origem animal, ingredientes derivados de algas, métodos de cultivo vertical e hidropônico, entre outros.
Proteínas de soja, ervilha e cogumelos, por exemplo, são opções populares que substituem a carne e o leite de origem animal, reduzindo a pegada de carbono associada à produção agropecuária. Esses ingredientes são cultivados com menos recursos e possuem um impacto ambiental reduzido.
Algas, como a spirulina, são cultivadas com alta eficiência de recursos e baixo impacto ambiental, oferecendo uma rica fonte de proteínas e nutrientes. Já os métodos de cultivo em ambientes controlados utilizam menos água e espaço, contribuindo para uma pegada de carbono reduzida.
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A descarbonização na indústria alimentícia
Segundo Almeida, o primeiro passo para a descarbonização de qualquer empresa é compreender seu cenário atual, identificando quais são suas fontes de emissões e desenvolver um diagnóstico detalhado. “A descarbonização exige um plano abrangente que inclui a mitigação de emissões, adaptação de tecnologias e a definição de metas claras, como reduzir as emissões em 50% em quatro anos, por exemplo”, explicou.
Outro ponto crucial mencionado, incluindo empresas menores que desejam estar à frente no mercado, foi a implementação de certificações e verificações ambientais, que não apenas melhoram a reputação das empresas, mas que também serão obrigatórias em alguns anos.
“O uso do GHG Protocol, um padrão global para a medição de emissões, é amplamente utilizado na agricultura e outras indústrias, e ajuda a entender o cenário em que as empresas se encontram e a monitorá-las. O Programa Brasileiro de GHG, adaptado às nossas condições locais, destaca o etanol e outros produtos do ciclo curto de carbono como peças-chave para a redução de emissões”, recomendou o especialista.
Desafios e oportunidades para a indústria
O principal desafio para a indústria alimentícia, de acordo com o especialista, está no escopo 3 de emissões de GEE, que abrange a compra de matérias-primas, produtos e serviços, além de deslocamentos e investimentos externos. Nesses casos é necessário ficar atento se e como os parceiros e terceirizados adotam práticas sustentáveis em suas operações.
Os demais escopos envolvem as emissões diretas, ou seja, que ocorrem durante os processos industriais e com a queima de combustíveis fósseis em equipamentos de aquecimento, caldeiras, fornos, veículos da empresa, entre outros – que configuram como escopo 1 – bem como emissões indiretas, provenientes da geração de eletricidade, vapor, aquecimento e resfriamento adquiridos pela empresa – de escopo 2.
Para enfrentar esses desafios, é necessário adotar práticas agrícolas mais sustentáveis, como o uso de biotecnologia na soja para reduzir a necessidade de fertilizantes e o plantio direto para melhorar a produtividade do solo e reduzir o uso de máquinas.
Diretamente nas fábricas, alternativas que ajudam a reduzir emissões são o uso de enzimas no processamento de alimentos, fermentação de precisão, proteínas microbianas na produção de ingredientes proteicos e o desenvolvimento de embalagens biodegradáveis.
“Ao cultivar ingredientes de baixo carbono e utilizar tecnologias inovadoras – como agroflorestas, métodos regenerativos e uso de fontes renováveis de energia, por exemplo – os fabricantes podem não apenas reduzir suas emissões, mas também criar produtos competitivos no mercado global”, ressaltou Almeida.