*Por Érica de Oliveira Dias e Luciana Cardoso Nogueira, Ciência e Tecnologia de Alimentos IFR
A Instrução Normativa Nº 65, de 10 de dezembro de 2019 do MAPA estabelece os padrões de identidade e qualidade para os produtos de cervejaria. A IN 65 define cerveja como a bebida resultante da fermentação, a partir da levedura cervejeira, do mosto de cevada malteada ou de extrato de malte, submetido previamente a um processo de cocção adicionado de lúpulo ou extrato de lúpulo, hipótese em que uma parte da cevada malteada ou do extrato de malte poderá ser substituída parcialmente por adjunto cervejeiro.
Uma das matérias-primas que obrigatoriamente deve estar presente é o lúpulo. Humulus Lupulus Linnaeus é o nome científico da espécie pertencente à ordem das Rosales e à família Cannabaceae. No Brasil, as regiões Sul, Sudeste, Norte e Nordeste têm produção de lúpulo. Ainda muito abaixo e distante da quantidade necessária para suprir a produção cervejeira nacional, as cervejarias brasileiras permanecem adquirindo o lúpulo de países como Alemanha e Estados Unidos com taxas de importação.
O Humulus lupulus é utilizado na área de saúde com atividades calmantes e funções antimicrobianas, porém, majoritariamente o seu uso é na indústria cervejeira com 97% do lúpulo produzido mundialmente. Na composição química das flores do lúpulo estão presentes alguns elementos como resinas, polifenóis, óleos essenciais e esteróis.
A crescente procura por cervejas lupuladas está diretamente relacionada com o aumento da produção nas fábricas, refletindo uma adaptação dinâmica das empresas para atender às demandas do mercado. Com o entusiasmo dos consumidores por estilos como APA e IPA, as cervejarias têm ampliado suas linhas de produção e investido em técnicas avançadas de lupulagem. Essa demanda impulsiona não apenas a produção em maior escala, mas também maior uso do processo de dry hopping.
O que é o processo de dry hopping
O dry hopping é uma técnica que consiste na extração a frio de compostos do lúpulo que vão contribuir para as características sensoriais da cerveja. Surgido entre os séculos XVIII e XIX na Inglaterra, o dry hopping original tratava-se basicamente de adicionar lúpulo nas barricas de madeira onde a cerveja era armazenada – isso pouco antes ou já na fase de transporte da bebida até o local de consumo.
Na produção de cervejas de baixo amargor, o lúpulo somente é adicionado em tanques de fervura. Já para a produção de cervejas muito lupuladas, com a aplicação da técnica de extração a frio, o lúpulo é adicionado em tanques de maturação, e após tempo de contato previsto ele é retirado e descartado.
A quantidade de lúpulo adicionada no dry-hopping mudou consideravelmente ao longo da história e, atualmente, tem sido relatado que nos EUA varia de 5 a 8g/L e, em alguns casos, a taxa sobe para 22g/L, evidenciando que a cada 1000 litros de cerveja é usado até 22 kg.
Aproveitamento do lúpulo residual do dry hopping
Estudar a possibilidade de aproveitamento do lúpulo residual do dry hopping na indústria cervejeira é um tema atual em publicações acadêmicas e estudos como do autor Alfeo V. et al. de 2023 que comparou um lúpulo fresco e um lúpulo residual, onde a matéria-prima residual apresentou nas análises físico-químicas compostos presentes em quantidades significativas óleos, resinas e polifenóis sugerindo a possibilidade de armazenamento deste lúpulo para uso posterior na fabricação de cervejas menos lupuladas.
Neste cenário, além de explorar o potencial de sustentabilidade ambiental nas cervejarias, a viabilidade econômica e a redução de custos, também é uma estratégia de economia circular que pode admitir a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) descritos na ‘’Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável’’, estabelecida em 2015 pelas Nações Unidas; em particular, o ODS 9 – construir infra estruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação –, e o ODS 12 – consumo e produção responsáveis: garantir padrões de consumo e de produção sustentáveis.
Referências:
ALFEO, Vincenzo et al. A sustainable valorisation of spent hops from dry-hopping. LWT, v. 186, p. 115248, 2023.
BEER JUDGE CERTIFICATION PROGRAM. Guia de estilos de cervejas. 2021. Disponível em https://www.bjcp.org/wp-content/uploads/2013/10/bjcp-2021-pt-br-1.1.pdf. Acesso em: 5 ago. 2024.
DURELLO, Renato S.; SILVA, Lucas M.; BOGUSZ, Stanislau. Química do lúpulo. Química Nova, v. 42, p. 900-919, 2019.
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Anuário da cerveja. 2024. Disponível em: https://repositorio-dspace.agricultura.gov.br/handle/1/2347/. Acesso em: 5 ago. 2024.
United Nations, Department of Economic, Social Affair. (2022). The sustainable development Goals report 2022. United Nations.
*Sobre as autoras:
Érica de Oliveira Dias: Aluna do Mestrado Profissional em Ciência e Tecnologia de Alimentos do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ)
Luciana Cardoso Nogueira: Professora Doutora no Mestrado Profissional em Ciência e Tecnologia de Alimentos do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ)